A nova lei de licitações (nº 14.133/21) deveria ter entrado em vigor plenamente no dia 1º de abril deste ano. Entretanto, após a edição da Medida Provisória 1.167/23 pelo presidente Lula, prorrogou-se o prazo para dezembro. Nesse cenário, as leis anteriores que regem a matéria — mais especificamente a Lei 8.666/93 —, ainda continuarão a ser utilizadas nas contratações com a administração pública até o fim de 2023.
A lei recém-editada nada dispõe sobre a exigência de certidões negativas de recuperação judicial por parte da empresa licitante; contudo, a lei anterior e que permanecerá em uso até dezembro de 2023 exige “certidão negativa de concordata”. Sabemos que a concordata foi substituída pela recuperação judicial e que são institutos completamente distintos, mas o texto da Lei 8.666/93 não foi alterado para se adequar à mudança legislativa.
Como a Lei de Falências e Recuperação de Empresas é de 2005, esse tema já foi discutido pelos tribunais inúmeras vezes, inclusive com diversos precedentes do STJ sobre o tema. Dentre as diversas decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, podemos citar o importante julgado de 2018 pelo ministro Gurgel de Faria e que resume bem a questão:
o examinar o tema sob ouro prisma, a Primeira Turma do STJ, mediante a ponderação equilibrada dos princípios encartados nas Leis nº 8.666/1993 e 11.101/2005, entendeu possível relativizar a exigência de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial, a fim de possibilitar à empresa em recuperação judicial participar de certame licitatório, desde que demonstrada, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica (AREsp 309.867/ES, Rel. Ministro Gurgel de Faria, 1ª Turma, julgado em 26/06/2018, DJe 08/08/2018) (grifou-se).
Assim, admite-se a dispensa da certidão negativa de recuperação judicial, mas a empresa deverá comprovar a sua viabilidade econômica, isto é, que possui condições de cumprir com o contrato.
Perceba que o julgado é de 2018, ou seja, a Lei 11.101/05 ainda dizia em seu artigo 52, I, que o juiz ao deferir o processamento da recuperação judicial determinaria a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exercesse suas atividades, exceto para a contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais e creditícios. Mesmo com essa redação, os tribunais ainda seguiam o entendimento de que a apresentação de certidão negativa de recuperação judicial poderia ser relativizada.
Com a reforma da Lei 11.101/05 pela lei 14.112/2020, a disposição acima foi alterada, não mais havendo essa exceção, seguindo o que já estava sendo decidido pelo Poder Judiciário, em especial pelo STJ.
Após 2020 o STJ teve a oportunidade de se deparar novamente com essa questão, mantendo as decisões anteriores. Em 16/08/2022 o Tribunal decidiu no REsp 1.826.299/CE a respeito de uma empresa que venceu a licitação para construção de outra etapa do campus da Universidade Federal de Cariri/CE, mas que o contrato não seria assinado em razão de encontrar-se em recuperação judicial. Confira o voto do Relator, o ministro Francisco Falcão:
De fato, o acórdão recorrido não destoa da jurisprudência desta Corte de que a exigência de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial deve ser relativizada a fim de possibilitar à empresa em recuperação judicial participar do certame licitatório, desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica.
Novamente, seguindo os inúmeros precedentes do STJ sobre o tema, decidiu-se recentemente pela relativização da exigência de certidão negativa de recuperação judicial, desde que a empresa demonstre a sua viabilidade econômica.